29.10.10

Outras Mulheres
Joyce e Paulo César Pinheiro

Meu corpo é pedra em que nascem
Corais, sargaços e líquen
Que os homens todos me abracem
Só quero aqueles que passem
não quero aqueles que fiquem.
Gosto, meu bem, de andar nua
Me pinto feito arco-íris
Jamais me tires da rua
Porque jamais serei tua
Se tu não me repartires.
Senti paixão por um bando
Escorreguei como os peixes
Por isso eu peço que quando
Sentires que já estou te amando
Eu quero é que tu me deixes.
Sou de ceder minhas graças
Não sou aquela que queres
Pertençam ao rol das devassas
Não quero que tu me faças
Igual às outras mulheres.

encontrei esta dica, num comentário há tempos... linda ela.
Imagine
John Lennon

Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world

You may say,
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will live as one

em video

26.10.10

era uma casa mais ou menos assim
a casa que eu queria

que desnivelasse e assim criasse novos niveis para o olhar e o contato
mas que abrisse as portas facil e, sem degraus, nos deixasse ir
prum fora dentro, abrigado, mas descampado, permitindo ceu
e que deixasse com o auxilio do terreno e nos levasse para as plantas baixas, os jardins de frutas e folhas
vermelhas as frutas
azuis e brancas as flores me veem a mente
muitas folhonas
já temos dois pezinhos de mexerica carioca que, entrelaçados, podem abrigar um banco
mesa embaixo de árvore para um pouco de tudo. tomar café, estudar, toda e qualquer refeição
sem cerimonia tem lugar, embora receber seja um grande prazer

o escritorio, penso que precisa ser um ambiente ultra hiper aconchegante, que convide a leitura não só numa mesa, mas em poltronas e até no chão, esparramando e que possa comportar claridade na medida da leitura e o aconhcego e o calorzinho de uma lareira. também quero receber pessoas neste espaço, um espaço que comporte mais de três pessoas se quisermos nos reunir. que tenha espaço pra sentar, mas que não seja arido quando eu estiver sozinha.
as estantes, penso que serão amplas, pois comportarão ao longo da vida muitos livros, cada vez mais.
mas que precisam não atrapalhar nunca, nem preencher, como é dos livros não preencher, apesar de ocupar seu lugar

...
continua





rsrs
(e assim, de uma vez, como sempre quando escrito, comecei o projeto da casa. do meu jeito, claro. cada um a seu modo, o encontro no horizonte...)

25.10.10

"Sem Cais
Caetano Veloso e Pedro Sá

Catei colo
E o mar parou
Fui deitando
Pra perguntar
Nome, bairro
Amigo, amor
De onde vem
Parar o mar
Seu sorriso
Bateu aqui
'Inda posso
Me apaixonar

Quero tanto
Quero tanto
Quero tanto
Quero tanto você
Mar aberto
Mar adentro
Mar imenso
Mar intenso
Sem cais
'Tou com medo
'Tou com medo
'Tou com medo
'Tou com medo de ver
Que 'inda posso
Que 'inda posso
Que 'inda posso
Ir bem mais

Barra, Gávea
E Arpoador
Deuses brancos
De luz do mar
Deuses negros
Um esplendor
Quem é essa
E o que será
Quem me dera
Eu poder me dar
Todo a essa
Que eu nunca vi

Quero tanto
Quero tanto
Quero tanto
Quero tanto você
Mar aberto
Mar adentro
Mar intenso
Mar imenso
Sem cais
'Tou com medo
'Tou com medo
'Tou com medo
'Tou com medo de ver
Que 'inda posso
Que 'inda posso
Que 'inda posso
Ir bem mais"

(E o Transmissor fez uma versão muuuito boa!)

21.10.10

Trazido do Blog da Dri outra vez.
Desta vez, porque a luta continua... até o fim de outubro e depois...
Uma ode ao momento político e eleitoral brasileiro

"O açúcar
Ferreira Gullar

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema."

18.10.10

Achei este texto na lista de autores que o blog da dri trás no canto. vale a pena vasculhar.
Bom demais Tati Bernardi. Sempre.
Este cai bem.

"Sobre o que eu estou esperando
Tati Bernardi

Imagine um cookie de Diabo Verde. É horrível de mastigar, quase impossível de digerir, às vezes você vomita pra não morrer e o pacotinho com quatro custa uma fortuna. Isso se chama análise lacaniana.
Numa reunião de psicanalistas, psicólogos e psiquiatras, fica fácil identificar cada um deles. Os psiquiatras dizem não beber mas, o tempo todo, pedem uma pequena dose de qualquer coisa antes de, com olhos dilatados demais para alguém que não quer parecer bobo, começarem algum discurso científico (e parecem sentir certa vergonha arrogante disfarçada de diploma de medicina), os psicólogos são ternos, encostam nas pessoas e se vestem mal (se forem cognitivos, são os que sorriem o tempo todo e sobram sozinhos na mesa), os psicanalistas freudianos prestam atenção a tudo com um misto de sarcasmo com tristeza mas sabem, no fundo de suas almas, que a tristeza é uma desculpa falsa humilde que deram para poderem continuar sendo sarcásticos. Os lacanianos não foram. Ou, se foram, estão rindo porque os cognitivos sobraram justo na mesa onde eles passaram melecas de nariz.
Tô nessa de Lacan há quase um ano e o único motivo que ainda me leva a degustar desse docinho desentupidor de merda é justamente sentir, por uma das primeiras vezes na vida, a minha merda desentupindo. Ele corrói sem dó mas resolve, tal qual o líquido dos infernos que tenho na minha despensa.
Pra quem não conhece o método, é a psicanálise em seu estado mais cruel (ainda que aqui a palavra cruel esteja mais no sentido de cru do que de crueldade- e não me perguntem o que eu quero dizer com isso porque apenas sinto que é assim e já percebi que quando digo essa frase “só sei que sinto” minha analista se chacoalha inteira no sofá de couro causando um imenso barulho que aprendi a chamar de um lugar no coração da Hitler dos subterfúgios da alegria cerebral). Tem o lance do divã, tem o lance do terapeuta sentar atrás de você (nos meus acessos de precisar de amor eu quase quebro o pescoço em busca de um olhar de aprovação “olha, o que ela está falando é muito bom!"), tem o lance do “não tem panos quentes não, filha de Deus, até porque ele não existe”. E tem também os silêncios terríveis...para os outros, porque eu nunca fiquei em silêncio em toda a minha existência.
Minha meta na vida, desde que desmamei e/ou minha mãe se distraiu dois segundos em me adular sobre todas as coisas, é ser incondicionalmente amada. Para isso, adquiri língua afiada, olhares jocosos e pés prontos para chutar e/ou sair correndo. Resumindo: criei e alimentei tudo em mim para justamente nunca mais ser amada ou ser amada apenas incondicionalmente. O que eu sei que não existe mas continuo sofrendo por não existir. Isso já está identificado desde meus seis anos, quando análise não era pra mim e sim para os filhos de muito ricos que estouravam restos de biribinhas em gatos de marca. Mas eu já sabia. A respeito de mim, eu sempre soube de tudo. Desde sempre. Mas saber não é exatamente desentupir a merda, daí que toda quinta bato cartão (ou ela bate minha carteira, nunca sei) no consultório perfumado e de paredes com isolamento acústico de minha analista. Aliás, isolamento que não funciona: eu sei, por exemplo, que o cara antes de mim se sente culpado porque o filho tira notas ruins e o cara depois de mim sabe, pela cara de pavor com a qual me olha na saída, que eu já aumentei pra dez o número de homens que sonham que estão sem pau quando saem comigo.
A coisa está indo super bem (o que significa que está terrível, insuportável e péssima) até que, nessa última quinta, melhorou ainda mais (o que significa que piorou muito). Quando eu já estava praticamente do lado de fora do seu consultório, chamando o elevador, já me recuperando de meu estado de lixo orgânico, de chorume existencial, ela abriu a porta mais uma vez, olhou pra mim daquele jeito que você só perdoa que uma pessoa te olhe se ela tiver, nitidamente, 20 anos a mais de estudo que você, e me disse “você está esperando o quê?”.
Eu quis responder que era o elevador, mas dada a sua frieza e seriedade, era óbvio que ela se referia à sessão que tinha acabado de acabar. Eu quis responder qualquer coisa, mas ela mandou a bomba e correu sem nem dar tempo do meu desvio de septo voltar pro seu lugar errado. Agora, como dizem por aí, era comigo “mermo”.
Passei a quinta inteira catatônica, tentando adivinhar o que eu deveria fazer para que não esperasse mais o que eu estava esperando. Eu deveria resolver alguma coisa, de certo, mas o quê? Sim, eu deveria parar de esperar, mas para parar de esperar, antes, eu deveria saber o que cazzo eu estava esperando. Que que eu tava esperando?
Passei e repassei a sessão um milhão de vezes na minha mente. Eu tinha falado de tararã, eu tinha falado de tarará, eu tinha falado também que tarará tinha o tararã maior que o do tarararão mas que o tarararão era muito mais tatataratatá que o tararinho. Mas nada disso me deu a pista que eu precisava para saber o que eu esperava até porque, disso tudo o que eu falei, eu não esperava absolutamente nada. Como sempre.
Você está esperando o quê? A voz dela me perseguiu pela sexta também, pela madrugada, pelo sábado. Ah, tantas coisas. Tô esperando ficar rica pra comprar uma casa maior. Tô esperando o último capítulo da novela pra ligar pra Gabi. Tô esperando meu chefe voltar pra pedir um aumento. Tô esperando a grana do freela entrar pra pagar o cartão de crédito. Estou esperando esquentar o tempo pra ir na depilação. Estou esperando os quarenta pra declarar estado de calamidade pública pra minha bunda. Tô esperando a minha vizinha reclamar do Radiohead de novo pra poder reclamar que ela toca tuba as quatro da manhã. Tô esperando a próxima temporada do House. Tô esperando a próxima quinta pra socar você, querida analista.
Quando a mente naufraga pesada demais, vou pro teatrinho infantil que mora lá pelas bandas do meu coração. Encenar minhas sensações pra ver se descubro algo que está difícil de se explicar sem figurinhas. E meu teatrinho infantil me botou em cima de um cavalo branco, com uma varinha de condão. Podia ser uma espada, mas acredito que uma “vara” que transforma o mundo é ainda mais pau que o pau que simplesmente luta, fura e mata, então lá tava eu de varinha mágica, toda me achando a princesinha ainda que a princesinha espere e não aja e eu, como boa pessoa que não deveria esperar por mais nada segundo a minha analista, estivesse agindo. Tá, agora faço o quê? Vou pra onde vestida de besta desse jeito? Eu tenho medo de cavalo, vara com estrela na ponta não me serve de nada. De que me serve meu potencial de macho se ele só me enfraquece? De que me serve a vontade de ir se o lugar não existe? De que me serve, afinal, esse amor?
Amor, é de amor que você fala? É. Tudo em mim respondeu, fazendo o som do recuo já sem forças de uma onda que explodiu na minha cara. Ééééééééééééééééééééé. O uníssono da concordância, como é bonito o equilíbrio único de uma constatação puramente verdadeira. O sopro do que cala fundo inundando, trazendo a resposta para as partes mais esquecidas e longínquas do que somos. Ééééééééééééééééééééééééééé.
Tô esperando o dia que isso vai passar. Isso aqui, que falo descarada e cifradamente, mas sempre. Isso que espalho em cada linha, o tempo todo, o muito peneirado ao longo desses dias todos, soando pouco mas sem parar, nos intervalos dos reais intervalos. Tô esperando acabar, passar, morrer, sangrar até o fim. Esperando o tempo que acalma chamas com seus ventos de mil pés distantes. Esperando alguém que ocupe, distraia, desacorrente, solte, substitua, torne nada demais. Esperando não sentir mais ódio e nem tesão e nem ciúme e nem saudade. Esperando porque é o que resta mesmo, não é falta de coragem, não é de se fazer, é de se sentir e só. Nem sempre a força de um amor é pra sair às ruas, pra viver histórias. No meu caso, sozinha mesmo, preciso ninar esse enjôo de um filho sem pai, esperar que ele nasça morto e enterrá-lo já sem dor. A gravidez do coração dura mais do que deveria e só expulsa seus filhos quando esses já nem existem mais.
Tá, analista dos infernos, eu entendi. Mas você erra quando acha que alguém resolve um amor. O amor é que, se tivermos coragem pra deixar, resolve aos poucos a gente."
"Esta vida está cheia de ocultos caminhos. Se o senhor souber, sabe; não sabendo, não me entenderá"

Guimarães Rosa
"Cumo a cigarra e a furmiga
vê levano meu vivê
Trabaiano pra barriga
E cantano inté morrê
Venceno a má fé e a intriga
Do Tinhoso as tentação
Cortano foias pras amiga
Parano ponta c'as mão
Cumo a cigarra e a furmiga
Cantano e ga~iano o pão"

Elomar
bem triste isso...
nada de show do paul...

13.10.10

"Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!"

guimarães rosa


aqui

11.10.10

"SOMOS TODOS PIORES DE BELÔ
Por Luther Blissett

[Este texto vêm na esteira de outros textos e discussões puxados sobre o assunto recentemente através da internet. Trata-se de um texto sem autoria, criado a muitas mãos durante as últimas semanas. Sua reprodução é permitida e desejada]
SOMOS TOD@S PIORES DE BELÔ

Enquadrados como…?

No último dia 24 de Agosto, numa terça-feira, seis homens foram presos em Belo Horizonte acusados pelo crime de formação de quadrilha. Os seis são mais conhecidos por seus nomes de guerra: Lic, Lisk, Fama, Goma, Sadok e Ranex, e a “quadrilha” em questão ganhou popularidade na cidade como Os Piores de Belô. O crime praticado por eles, enquanto “quadrilha“, não é dos mais comuns nessa classificação: pixação.

A prisão extraordinária de pixadores pelo crime de formação de quadrilha faz parte de uma história um pouco mais complexa, que começa pelo anúncio de uma Copa do Mundo no Brasil, passa por políticas públicas imediatistas e autoritárias, e não temos idéia de onde vai parar. Nesse caso específico, o episódio é protagonizado pelo “Movimento” Respeito por BH, que de movimento não tem nada, consiste em mais um programa do governo de Márcio Lacerda. Por iniciativa do pseudo-movimento, o Ministério Público e a Polícia Civil passaram a investigar os pixadores de Belo Horizonte através da internet e de buscas em suas residências (com a conhecida “gentileza” das forças policiais), onde apreenderam desnecessariamente computadores e outros itens dos acusados.

Por fim, como um ápice cinematográfico das chamadas operações BH Mais Limpa, buscaram mais uma vez os Piores de Belô em casa, de viatura, e os encaminharam para uma penitenciária onde aguardam julgamento por um crime que não lhes diz respeito. Aguardamos, juntos, a mais uma condenação pública da liberdade de expressão mineira.

A invenção do criminoso e histórias similares

São velhas conhecidas as figuras dos bodes expiatórios. Animais solitários, distinguidos e separados… crias do abandono. Outras vezes bruxos, feiticeiras, conspiradores, loucos – tipos estranhos premiados com o isolamento.

Não há exagero. O fato de termos seis homens numa penitenciária acusados do crime de formação de quadrilha por terem pintado com tinta as paredes da cidade evidencia isto. Para os desinformados, vale lembrar: cotidianamente a pixação é tratada como contravenção, normalmente substituída, mediante transação penal, por penas alternativas. O tratamento jurídico normalmente dispensado a ela não chega nem perto daquele dado ao crime de formação de quadrilha. A conveniência de se tomar gato por lebre, neste caso, confirma ainda mais o quanto a “movimentação” Respeito por BH quer fazer de bodes expiatórios os Piores de Belô, em meio a toda uma trama de limpeza da cidade. Os Piores estão deixados como exemplo, são os punidos que servem como mostra pública de até onde pode chegar a retaliação a qualquer ato que fira os princípios de regimento oficial da cidade.

Primeiro, deve-se alertar: essa operação contra os Piores (e contra a pixação em geral) é orientada por um conjunto de políticas e de modos de se relacionar com o espaço público que hoje já se revelam como tendência em BH e outras capitais mundiais. Especulação imobiliária, entrega do espaço público com benefícios ao capital privado, cerco fechado por parte da segurança pública, enrijecimento da repressão nas ruas, exclusão de informais e indigentes, monitoramento ultra-avançado de algumas regiões, tudo isso somado às contendas das famílias tradicionais e dos grandes investidores. Um pacote que pretende consolidar projetos de higienização da cidade – seguir na seleção dos úteis e dos inúteis nesse palco.

Ora, a pixação, insistentemente definida como vandalismo pela grande mídia e pelo senso comum, é o vandalismo que não inutiliza o objeto de sua ação, apenas interfere nele. É, além de tudo, cultura produzida e mantida em movimento pelos seus atores sem nenhum tipo de incentivo além da marginalidade. É manifestação própria da cidade, território de criatividade, geradora de questionamentos, formadora de tipos específicos de ator e de memória. Inevitável não fazer a menção histórica: a escrita na parede, de pedra ou de concreto, permeia nossa caminhada cultural do início mais remoto às manifestações artísticas contemporâneas – que o sistema de arte (e portanto o próprio sistema capitalista) celebra, abrindo champagnes em galerias – passando por toda uma tradição de resistência política e pela expressão espontânea de agentes de todos os tempos.

Importante lembrar o caso do grupo que invadiu e pixou a Bienal de São Paulo, em 2008. Pois se hoje os pixadores paulistas tem credenciais para entrar na mais importante exposição de arte da América Latina, na ocasião de sua ação direta eles foram tratados com jeito semelhante ao dos Piores de Belô. Devido a queixa prestada pela Fundação Bienal à polícia paulista, a pixadora Carolina Pivetta, então com 22 anos, foi encarcerada, acusada de se associar a “milicianos” com fins de “destruir as dependências do prédio” da Bienal, segundo a denúncia do Ministério Público.

Peraí. “Milicianos”? “Destruir as dependências do prédio”? Vê-se como os termos são, no mínimo, rasos. Tanto no caso dos pixadores paulistas quanto no dos belorizontinos não estamos lidando com criminosos deste calibre, e a interpretação dada aos fatos deturpa a dimensão da pixação. Milicianos, assim como formadores de quadrilha, não se unem para pintar paredes. Pintar paredes, por sua vez, não destrói coisa alguma, antes constrói significados, redes e subjetivações do espaço através da produção de imagens. Importante reforçar: é, antes de tudo, mais um modo de incidir politicamente na cidade.
A crosta da cidade, território do pixo

Fascismo velado à la mineira. A resposta do público diante das notícias da prisão dos Piores de Belô traz à tona a violência recalcada da tradicional família mineira. Pelas páginas de comentários nas redes da internet, por trás de um anonimato covarde, proliferam desejos de execução sumária, exclusão e tortura. “O pixador, esse grande filho da puta, tem que morrer!”, grita afoito o pai de família. A demonização deste ator/ativista controverso das metrópoles deveria nos fazer pensar. Na cidade, onde proliferam mazelas de todos os tipos, onde os desequilíbrios e carências se dão em instâncias essenciais da vida de milhões de seres humanos, é de se questionar a atenção dispensada a uma mazela visual. A pixação é simplesmente a letra escrita, exposta como ferida, mas contra ela se legitimam facilmente o ódio, a tortura e a manobra política.

O território de atuação da pixação – a superfície da cidade – é uma superfície política. Quando o pixo age sobre esse espaço político se choca com o uso mercantil que é feito da cidade, expõe uma expressão do marginalizado onde normalmente só se faz esconder, maquiar e especular. A prisão dos Piores de Belô é igualmente superficial. Não se trata de uma solução no sentido forte, mas um remendo, uma tentativa controversa de estancamento da ferida social por onde jorra tinta. Sem nos esquecermos de contextualizar este fato dentro de uma onda de intolerâncias que vem se mostrando nas ações da administração pública de BH. Nem segurança pública, nem poluição visual e nem mesmo a própria pixação (ou os problemas sociais que a estimulam) encontram na manobra do Ministério Público uma resposta adequada. O tratamento dado aos personagens da suposta “quadrilha” fede a artimanha de ditadura.
SOLIDARIEDADE

Por tudo isso, se faz necessário gritar LIBERDADE AOS PIORES DE BELÔ! Este grito deve ser levado a cabo por cada um que seja minimamente solidário com a liberdade de expressão e com a manutenção da vida na cidade. Da mesma forma devem ser lembrados os desalojados das Torres Gêmeas e os ameaçados das ocupações urbanas de BH, os impedidos de entrar nas praças públicas e todo aquele que morre de alguma maneira na mentira de um “centro vivo”. Somente por meio da solidariedade que se identifica com o seu igual e tece, a partir daí, uma rede horizontal de resistência podemos fazer a oposição necessária ao disparate que é a prisão dos Piores de Belô, bem como os processos de mercantilização e cercamento das cidades.

LIBERDADE AOS PIORES!
SOMOS TODOS PIORES DE BELÔ!"


mais sobre o "'movimento respeito por bh' e O 'Código de Posturas', lei que regulamenta o uso do espaço público" oi?

conjunto vazio


video arte urbana (cultura e pensamento)
.
cenário político delicado
estamos a flor da pele
"É na travessia dessa zona que o raio do desejo se reflete e, ao mesmo tempo, se retrai chegando a nos dar esse efeito tão singular, o mais profundo, que é o efeito do belo no desejo.
Isso parece singularmente duplicá-lo lá onde ele prossegue seu caminho. Pois, não se pode dizer que o desejo seja completamente extinto pela apreensão da beleza - ele continua sua corrida, porém aqui mais do que em outro lugar, ele tem a impressão do engogo, de alguma forma manifestado pela zona de brilho e de esplendor onde ele se deixa arrastar. Por outro lado, sua comoção, não refretada, mas refletida, rejeitada, ele sabe que ela é a mais real. Mas aqui, não há mais objeto algum."

Jacques Lacan
livro 7

eu amo.
amo.

6.10.10

“Se o poeta avisou
Que tem fim felicidade
Quero o rastro da passista
Vou na esteira de quem sabe
De quem vira a fantasia
E nos avessos da cidade
Vence sol ou chuva fria
Porque o samba é o combate”

"E essa tal felicidade do povo brasileiro? Essa capacidade de transcender sobre o que pesa, de se iluminar sobre o que dói, de não esmorecer na batalha e fazer carnaval? E esse samba desse povo, que ninguém sabe se é alegre ou se é triste, que se entrega na noite mas se fortalece é no dia, que lava alma de quem dele precisa ?"
Artenius Daniel
, que fico muito feliz que seja meu amigo
:)

"A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira"
tom e vinicius,
também aplique dele

o video

[e essa leveza do povo
que tá em falta e que sobra?
- isso sim é uma asfera;]

3.10.10



a mafalda e eu

perdição eleitoreira
"Gosto de ti quando calas e estás como distante. E estás como que te queixando, borboleta em arrulho. E me ouves de longe, e a minha voz não te alcanças: Deixa-me que me cale com o silêncio teu./ Deixa-me que te fale também como o teu silêncio claro como uma lâmpada, simples como um anel. És como a noite, calada e constelada. Teu silêncio é de estrela, tão longínquo e singelo. / Gosto de ti quando calas porque estás como ausente. Distante e dolorosa como se tivesses morrido. Uma palavra então, um sorriso bastam. E estou alegre, alegre de que não seja verdade."

Pablo Neruda

2.10.10

"Viomundo – Para terminar, o que representa a eleição deste domingo?

Emir Sader — O que está em jogo é o governo Lula. No domingo, o povo vai decidir se o governo Lula foi um parêntese e, aí, as elites tradicionais voltam ao poder. Ou se o governo Lula vai ser uma ponte para a gente construir um país justo, solidário e soberano, tarefa que apenas começamos a fazer. Acho que o povo está optando claramente pela continuação do processo, apesar da direita espernear através dos seus órgãos da mídia."

Matéria tirada do Viomundo - O que você não vê na mídia

Link da matéria, dica da Mami