28.6.08


"Cult - Você ainda pretende fazer música por muito tempo?
Tom Zé - Olhe, querido, fazer música é, hoje em dia, uma coisa tão prazerosa. Teve um tempo em que era duro, era sofrido, porque eu fazia um tipo de música que os mercados recusavam. Tudo isso era muito dolorido. Durante meu ostracismo fiquei muito doente também. A falta de um colo materno por ter uma música que não era aceita em lugar nenhum. Agora, na hora em que estava no ostracismo nunca me queixei. Esse é o segredo que queria conversar com a juventude. Gostaria que você desse importância a isso. A queixa é muito gostosa. Lembra aquele filme Perfume de Mulher? A queixa é um perfume de mulher. É uma coisa embriagadora, você se enamora. O homem que se queixa está em cima de um pedestal que os outros não têm direito. É uma coisa formidável, dá um poder, dá asas. Você fica levitando. Resultado: não faz nada. sempre aceitei as regras do mercado. Até dizia assim: ' Prefiro essa lei da comunicação de massa que vigora aqui no Brasil doq eu a lei num país comunista onde quem escolhe os artistas é o governo". Caramba meu cumpadre! Ser compositor para o governo? Isso que é castigo na vida. Então digo isso aos moleques, desconfie da queixa. O queixoso é mais bem sucedido na sua psicologia louca do que os vitoriosos. A armadilha desgraçada dela é essa: nos torna autistas. É um tipo de autismo de quem tem QI avançado. [risos]

4.6.08

No Sorriso louco das mães

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
tendo tudo,
e queimando as imagens, alimentado as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhe nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
E atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

(Herberto Helder)