29.10.08

Entrevistas com Zizek

"Glyn Daly: Uma categoria central em seu trabalho é a da jouissance, ou gozo. O gozo é visto como algo a que se tem de renunciar, como condição de ingresso na ordem sociossimbólica, mas essa mesma ordem é sustentada por algumas fantasias que encenam a perda e a recuperação do gozo. Você pode falar um pouco disso?

Zizek: Sim, temos uqe renunciar ao gozo para entrar na ordem simbólica, mas, por outro lado, o ponto crucial lacaniano é evitar a ilusão de estarmos renunciando a algo que possuíssemos antes. Esse é o paradoxo fundamental em Lacan: no próprio gesto de renúncia, criamos o espectro da morte que, supostamente, deveríamos perder. O segundo aspecto a respeito do gozo concerne à ligação entre a fantasia e ele. A fantasia, em última instância, é a fantasia sobre o pecado do gozo, porém, encena a narrativa mítica de como o gozo se perdeu. Essa é a função mais importante da fantasia. Não é propriamente o 'Ah meu Deus, nós o temos', que concerne à fantasia, mas sim o modo como o gozo foi perdido, como foi roubado.

De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick, é um filme interessantíssimo, que diz respeito justamente a idéias de gozo compartilhado, roubo de gozo e poder da fantasia. Muitos críticos o censuraram por sua esterilidade. Mas acho que, longe de ser uma falha do filme, a genialidade de Kubrick está em ele compreender a profunda esterilidade da fantasia. O que o filme mostra é que em vez de penetrar num mundo de êxtases arrebatadores, quanto mais você se aprofunda nas fantasias, mais elas parecem ilusórias e vazias, até que, já no final do filme, temos a famosa orgia coletiva, qeu é completamente asséptica.

A diferença sexual também é crucial aí, porque as duas perspectivas exploradas por Kubrick não são simétricas. À primeira vista, temos um homem e uma mulher casados - Nicole Kidman e Tom Cruise -, em cada um dos quais explode a fantasia. E a idéia é que cada um vá até o fim, explorando as profundezas da fantasia. Mas, se você examinar de perto o que acontece, verá que é apenas no homem que isso explode. A fantasia autêntica - a fantasia que abriga um significado real - é a da mulher, e o que ele tenta desesperadamente fazer é ficar à altura de algo que estaria no nível da fantasia dela, ou ressucitar algo. E acaba fracassando.

A interpretação costumeira do filme é que estamos diante de um casal pretensioso, que é seduzido pela fantasia e, pouco antes de se perder no abismo de um desejo que monopoliza tudo, controla-se e recua. Mas o que o filme realmente mostra, a meu ver, é uma travessia da fantasia, através da experiência de sua estupidez. Nesse sentido, a lição é muito amis deprimente. Não é que a fatasia seja um poderoso abismo de sedução que ameaça nos tragar, mas justamente o contrário: a fantasia, em última instância, é estéril."

(no livro Arriscar o impossível- Conversas com Zizek)

Parece valer a pena rever este filme, de olhos não tão fechados assim, desta vez.
;)

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